sábado, 26 de novembro de 2011

Aprendendo a Imaginação Ativa

Lembro-me da história que uma sábia senhora me contou: durante uma longa excursão por países que sempre sonhou visitar, ela foi obrigada a compartilhar o quarto com uma mulher que lhe era completamente incompatível. De início, ela sentiu que isso iria inevitavelmente estragar a viagem. Mas logo percebeu que iria desperdiçar um dos momentos mais interessantes e agradáveis de sua vida se permitisse que sua aversão por aquela mulher estragasse sua viagem. Portanto, ela se decidiu a aceitar a sua companheira incompatível e se desligou dos sentimentos negativos e da própria mulher, ao mesmo tempo que continuava sendo amistosa e gentil para com ela. Essa técnica funcionou às mil maravilhas e a sábia senhora conseguiu desfrutar imensamente a excursão.
Ocorre exatamente o mesmo com os elementos do inconsciente que nos causam aversão e que sentimos que nos são incompatíveis. Se nos damos o luxo de sentir raiva desses elementos, estragamos a nossa viagem através da vida. Se formos capazes de aceitá-los pelo que são e tratá-los bem, descobriremos com muita freqüência que eles, afinal de contas, não são assim tão maus; e pelo menos livramo-nos de sofrer sua hostilidade.
No confronto com o inconsciente, a primeira figura que encontramos geralmente é a sombra pessoal. Já que na sua maior parte ela consiste naquilo que rejeitamos em nós mesmos; geralmente ela nos é tão incompatível quanto a companheira de viagem daquela senhora. Se hostilizarmos o inconsciente, ele se tornará cada vez mais insuportável; mas, se formos amistosos — reconhecendo o seu direito de ser como é —, o inconsciente passará por uma admirável transformação.
Uma vez, quando sonhei com uma sombra que me era especialmente odiosa mas que, por experiência anterior, eu era capaz de aceitar, Jung me disse: "Agora o seu inconsciente está menos brilhante, mas muito amplo. Você sabe que, embora sendo uma mulher inegavelmente honesta, você também pode ser desonesta. Talvez seja desagradável mas, na verdade, é um ganho imenso." Quanto mais avançamos, mais percebemos que cada alargamento da consciência é, na verdade, o ganho maior que podemos alcançar. Quase todas as nossas dificuldades na vida devem-se ao fato de que a nossa consciência é por demais estreita para encontrá-las e compreendê-las; e nada nos ajuda mais no processo de compreendermos essas dificuldades do que aprendermos a entrar em contato com elas na imaginação ativa.

davidope4 Gifs animados muito loucosDentre os usos da imaginação ativa, o maior deles é colocar-nos em harmonia com o Tao — e assim as coisas certas, não as erradas, acontecem à nossa volta. Talvez falar do Tao chinês possa trazer um toque de exotismo a uma coisa que, na verdade, nada mais é que a simples experiência cotidiana; mas, ainda assim, encontramos o mesmo significado na nossa linguagem mais coloquial: "Esta manha ele levantou da cama pelo lado errado" (ou, como dizem os suíços, "com o pé esquerdo"). Essa expressão descreve muito bem uma condição psicológica na qual não levantamos em harmonia com o nosso inconsciente. Somos mal-humorados e desagradáveis e — assim como a noite segue-se ao dia — segue-se que temos um efeito desintegrador sobre o nosso ambiente.
Todos nós já experimentamos o fato de que as nossas intenções conscientes estão sempre sendo frustradas por oponentes desconhecidos — ou relativamente desconhecidos — no nosso inconsciente. Talvez a definição mais simples da imaginação ativa seja dizer que ela nos dá a oportunidade de iniciar negociações com essas forças (ou figuras) no nosso inconsciente e, com o tempo, chegar a um acordo com elas. Nesse aspecto, a imaginação ativa difere dos sonhos, pois neles não exercemos nenhum controle sobre o nosso comportamento. Na maioria dos casos na análise prática, é claro, os sonhos são suficientes para restabelecer um equilíbrio entre o consciente e o inconsciente. Somente em alguns casos algo mais é exigido. Mas, antes de prosseguirmos, eu gostaria de apresentar uma breve descrição das técnicas que podem ser utilizadas na imaginação ativa.
A primeira coisa é estar só e, na medida do possível, livre de qualquer interrupção. A pessoa deve sentar-se e concentrar-se em ver ou ouvir qualquer coisa que emerja do inconsciente. Quando essa "imagem" for alcançada — e em geral isso está longe de ser fácil —, deve-se evitar que ela volte a afundar no inconsciente desenhando, pintando ou escrevendo aquilo que foi visto ou ouvido. As vezes é possível expressá-la melhor através do movimento ou da dança. Algumas pessoas não conseguem entrar em contato com o inconsciente de modo direto. Uma abordagem indireta que muitas vezes revela muito bem o inconsciente, consiste em escrever histórias sobre, aparentemente, outras pessoas. Essas histórias sempre revelam aquelas porções da psique do próprio escritor das quais ele(a) está completamente inconsciente.
Em qualquer dos casos, o objetivo é entrar em contato com o inconsciente; esse contato dá ao inconsciente a oportunidade de se expressar, de um modo ou de outro. (As pessoas que estão convencidas de que o inconsciente não tem vida própria, não devem sequer tentar esta prática.) Para dar essa oportunidade ao inconsciente é necessário, quase sempre, superar um grau variável de "limitação consciente" e permitir que as fantasias, que estão sempre mais ou menos presentes no inconsciente, venham à consciência. (Jung certa vez me disse que acreditava que o sonho prossegue continuamente no inconsciente, mas em geral precisa do sono e da completa suspensão da atenção às coisas de fora para poder registrar-se na consciência.) De modo geral, o primeiro passo na imaginação ativa é aprender a, digamos assim, ver ou ouvir o sonho em estado de vigília.

Em outros trabalhos seus; Jung inclui o movimento e a música entre os caminhos através dos quais é possível alcançarmos essas fantasias. Ele sugere que o movimento — embora possa ser da maior ajuda para dissolver a limitação da consciência — traz consigo a dificuldade do próprio registro dos movimentos em si; e que, se não houver nenhum registro exterior, é impressionante a rapidez com que as coisas que surgem do inconsciente desaparecem da mente consciente.
Jung sugere que os movimentos liberadores sejam repetidos até se fixarem realmente na memória; mas, mesmo assim, minha experiência demonstra que também é aconselhável desenhar o padrão criado pela dança (ou movimento) ou escrever algumas palavras descritivas para evitar que esse padrão desapareça por completo no prazo de alguns dias.
Existe ainda uma outra técnica para lidar com o inconsciente através da imaginação ativa, a qual sempre considerei de extrema ajuda: a conversação com os conteúdos do inconsciente que parecem personificados.
É claro que é da maior importância saber com quem estamos falando, em vez de imaginar que qualquer voz está proferindo palavras inspiradas pelo Espírito Santo! Com a visualização, isso se torna relativamente fácil. Mas isso também é possível, quando não existe visualização, pois a pessoa pode aprender a identificar as vozes ou o modo de falar e assim evita cometer erros. Além disso, essas figuras são paradoxais; elas têm lados positivos e lados negativos, e um geralmente interrompe o outro. Nesse caso, você pode julgar melhor através do que é dito.
Existe uma regra muito importante que sempre deveria ser observada em qualquer técnica de imaginação ativa. Quando a praticamos, precisamos dar toda a nossa atenção consciente às coisas que dizemos ou fazemos — tanta atenção (ou ainda mais) do que daríamos a alguma situação importante da vida exterior. Isso impedirá que ela continue sendo uma fantasia passiva. Mas depois de termos feito (ou dito) tudo o que queríamos, precisamos ser capazes de deixar a nossa mente "em branco" para podermos ouvir (ou ver) as coisas que o inconsciente quer nos dizer (ou fazer).
A técnica — tanto para o método visual quanto para o auditivo — consiste, primeiro de tudo, em sermos capazes de deixar que as coisas aconteçam. Mas não devemos permitir que as imagens se transformem como um caleidoscópio. Vamos supor que a primeira imagem seja um pássaro; deixada a si mesma, com a rapidez do relâmpago ela pode se transformar num leão, num navio em alto-mar, na cena de uma batalha ou em qualquer outra coisa. A técnica consiste em fixar nossa atenção sobre a primeira imagem e não deixar o pássaro escapar até que ele tenha explicado por que apareceu, qual a mensagem que ele nos traz do inconsciente e o que ele quer saber de nós. Eis aí a necessidade de entrarmos, nós mesmos, na cena ou na conversação. Se omitirmos esse estágio depois de aprender a deixar que as coisas aconteçam, a fantasia poderá mudar (como descrevi acima) ou então, mesmo que a primeira imagem se mantenha, ela terá a passividade visual do cinema ou a passividade auditiva do rádio. Ser capaz de deixar que as coisas aconteçam é um passo extremamente necessário mas, se nos entregamos a ele por um tempo excessivo, logo se torna prejudicial, Todo o propósito da imaginação ativa é fazer com que cheguemos a um acordo com o nosso inconsciente; para isso, precisamos nos entender com o inconsciente e só o conseguiremos se estivermos firmemente enraizados em nós mesmos.

BARBARA HANNAH

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