quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Homosexualidade, História & Sociedade



A sexualidade sempre foi um grande enigma da humanidade e uma das mais importantes e complexas dimensões da condição humana. Sua compreensão envolve inúmeras variáveis que incluem questões morais, políticas, e ideológicas. Neste texto, procuraremos fazer uma breve digressão da construção sócio-histórica da sexualidade para tentar mostrar que a maneira que a cultura ocidental lida com as manifestações da sexualidade, particularmente a homossexualidade, é tributária dos códigos e valores que sustentam o imaginário desta cultura. Tais códigos, que variam segundo as épocas, influenciam diretamente o que é permitido, o que é proibido, o que é normal, e o que é patológico, em termo das práticas sexuais dos indivíduos. [...]
[...]Na cultua ocidental, o termo homossexualidade deve ser compreendido, inicialmente, como uma construção social tributária do contexto histórico no qual emerge. Portanto, quando dizemos algo a respeito da homossexualidade devemos ficar atentos a que este termo não represente uma essência em si, mas, como algo próprio da construção da linguagem moral da modernidade.

Como sabemos, na Antiguidade Clássica, assim como muitas culturas atuais, as convicções morais, políticas e religiosas a respeito da sexualidade divergem bastante da modelo ocidental da sexualidade. Assim, sustentar a existência de uma sexualidade “natural” trans-historica baseada no imperativo biológico da divisão dos sexos, seria no mínimo ingênuo. Todas as idéias e termos que temos à respeito da sexualidade são sustentadas pela cultura judaico-cristã que as criou.[...]



No ocidente, até o século XVIII, a visão cientifica acerca da sexualidade era concebida através de um modelo sexual único: a mulher era compreendida como sendo um homem invertido e inferior. Invertido do ponto de vista biológico, inferior do ponto de vista estético. A partir desta teoria, a concepção científica da época afirmava que só havia um sexo. Somente a partir do corpo do homem se realizava todas as potencialidades. A distinção entre eles era percebida (de acordo com a posição social e cultural), mas não explicada pela distinção entre os sexos. Em certa medida, a posição falocêntrica de Freud dá continuidade a esta visão.
 No final do século XVIII e início do século XIX, a realidade social é transformada pela revolução burguesa e pelo iluminismo. A percepção médico-científica da anatomia feminina também é transformada devido ao aparecimento de uma nova ordem política, onde se faz necessário distinguir, em termos de oposição, homens e mulheres, fazendo aparecer, portanto, dois modelos de sexos. A distinção entre os sexos, passa agora a justificar e colocar diferenças morais aos comportamentos femininos e masculinos, de acordo com as exigências da sociedade burguesa.

[...] De acordo com Áries (1985), tanto a igreja quanto a ciência buscam reconhecer a “deformidade física” que fazia do homossexual um homem-mulher. A homossexualidade será reconhecida no início como uma anomalia do instinto sexual causada pela degeneração ou atraso evolutivo. É importante comentar que o homossexual, num primeiro momento, era visto como um efeminado. O indivíduo não era culpabilizado por esta “deformidade”, porém, ele era isolado e vigiado como se fosse uma mulher, pois, acreditava-se que o homossexual, assim como a mulher, eram seres pecaminosos que poderiam seduzir outras pessoas para o “mau caminho”.
O preconceito social que estigmatiza e rotula o homossexual até os dias de hoje foi um produto da ideologia evolucionista burguesa, onde se criou uma crença numa vivência sexual “normal” e “civilizada”, a partir do momento em que o sexo se transformou em elementos político e social relevantes para época. O instinto sexual ligado diretamente à palavra “sexo”, passa a ter uma finalidade única. Todas às relações e condutas que fugissem à esta finalidade eram consideradas perversas e antinaturais.





Mesmo que o “mundo natural” seja igual para todos, cada cultura, cada sociedade, irá interpretá-lo de acordo com o sistema simbólico que rege esta determinada cultura. Vivemos nossa sexualidade conforme os parâmetros ideológicos, morais e políticos de determinações sócio-cultural na qual estamos inseridos. Por sermos dirigidos por convenções sócio-históricas, percebemos a sexualidade como algo inata, pronta, que transcende o humano, o tempo, a linguagem, e a historia, valida desde sempre para todos os sujeitos. A crença em uma sexualidade normal e natural nos leva a uma intolerância contra comportamentos sexuais que fogem a essa ordem, pois abalam nossas verdades. Legitimar o comportamento sexual do outro diferente é afirmar que não existe uma verdade absoluta e que verdade é sempre a verdade de cada, o que mostra que nossos referenciais são construções simbólicas de um tempo histórico e de uma cultura determinada.
Como no inconsciente não existe uma demarcação simbólica e temporal, não existe uma sexualidade natural e muito menos normal. Existem moções pulsionais que se deslocam manifestando uma pluralidade de expressões da sexualidade. Portanto não existe uma única maneira "certa" de vivenciar a sexualidade.

Paulo Roberto Ceccarelli (Psicólogo; psicanalista; Doutor em Psicopatologia Fundamental}

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