sábado, 3 de setembro de 2011

Criação de Realidades; Ciência e Esoterismo.

A relação entre semiótica, comunicação e magia é um dos aspectos mais amplamente discutidos e sistematizados na obra de conceituados mestres ocultistas. O conhecimento dos signos e de sua potência enquanto veículo de criação e-ou transformação da realidade é uma disciplina obrigatória no chamado "adestramento" dos "magos". O trato "tecnológico" com os signos ou, como se trabalha com cada tipo de signo, é um aprendizado voltado para o domínio das faculdades expressivas humanas. O adepto que pretende alcançar o grau de Iniciado deve submeter-se a exercícios metódicos; treinamento e educação da fala (palavra), do gesto, do olhar, da audição e até da gustação. Os signos adquirem então um alto valor de realização e não podem mais ser usados irresponsavelmente. Aos estudantes de magia é aconselhado pouco falar e muito ouvir. A razão desta prática, comum tanto entre os pitagóricos quanto entre os monges budistas, é o fato de que a maioria das pessoa fala em demasia em discursos no mínimo, redundantes, quando não, veramente noscivos, pela fealdade de suas imagens e intenções; porque "falar é criar" (LEVI, 1995), bem como pensar é o começo da criação; e tanto mais se for um falar e um pensar recorrentes, repetitivos. Os sons que reverberam nas matérias invisíveis da atmosfera podem criar forma e anima, dizem os ocultistas. Cumpre então cuidar do teor daquilo que se pensa e daquilo que se diz porque o princípio, aquilo que dá causa, início a um existir, às coisas, tal princípio, é o verbo. O poder das palavras e dos signos, sinais da vontade é enfatizado por todos os grandes mestres ocultistas.

Papus, em seu Tratado elementar de magia prática (1995), dedica especial atenção ao poder criador das palavras e chama a atenção para os efeitos físicos e metafísicos produzidos pela emissão de sons articulados portadores e significado ou signos de linguagem falada. Afirma, o mestre ocultista, que através da fala, consciente ou inconscientemente, os seres humanos engendram "entidades psíquicas" e adverte: "Uma velha lenda cristã diz que o diabo é incapaz de tomar pensamentos que não tenham sido materializados pela palavra". Nos dias atuais, num processo de espiritualização da humanidade que teve início nos anos de 1960, numerosos livros entre os definidos como "de auto-ajuda" têm, como base de suas técnicas, a reprogramação comportamental-pessoal através da repetição de frases que expressem os objetivos do emissor: ganhar dinheiro, recuperar a saúde, emagrecer, fazer sucesso etc.. Você pode curar sua vida, de Louise L. Hay (1999), lançado em primeira edição em 1984, é um dos clássicos deste tipo de literatura que propõe "despertar idéias positivas, superar doenças e viver plenamente". Mais antigo, o famoso Livro de ouro de Saint Germain (disponível para free download em vários sites da internet em língua portuguesa), apresentando argumentos esotéricos mais complexos, ensina a consciência do "EU SOU" e recomenda variados exercícios de vocalização e mentalização de proposições construtivas e remodeladoras do self. São frases do tipo: "Eu sou perfeito", "Eu tenho perfeita saúde", "Eu tenho dinheiro", "Eu tenho um excelente trabalho" etc.. Papus explica por que essas técnicas, se praticadas com rigorosa disciplina de persistência podem, de fato, mudar a vida de uma pessoa, de uma nação (se organizada em sessões coletivas) e até do mundo inteiro. Nas palavras do médico ocultista, Gerard Anaclet Vincent Encausse, o Papus:

(...) a Ciência Oculta ensina que toda vibração do plano físico determina mudanças de estado particulares no plano astral e no plano psíquico; o conhecimento desta afirmação permite saber até que ponto é certo e considerável o influxo que exerce o verbo humano sobre todos os planos da natureza. A emisão da voz compreende três efeitos simultâneos:

1º) emissão de um som pondo em ação o plano físico da natureza.
2º) Emissão de uma certa quantidade de fluido vital pondo em ação o plano astral.
3º) A criação e libertação de uma entidade psíquica que é a idéia à qual o som dá um corpo e a articulação dá a vida.

Cada idéia assim realizada (trazida à realidade) e manifestada no mundo material age, durante certo tempo, como um ser verdadeiro; depois extingue-se e desaparece progressivamente (...) A duração da ação desta idéia depende datensão cerebral (mental) com a qual ela foi emitida (e repetida)... (PAPUS, 1995 - P 183)


Mais recentemente, desde os anos de 1980, o bioquímico Rupert Sheldrake, autor de The presence of the past (A presença do passado) e Cães sabem quando seus donos estão chegando (1999), vem desenvolvendo uma teoria que confirma estas afirmações dos esotéricos. Trata-se da Teoria dos Campos de Ressonância Mórfica. Estudando a origem da recorrência das formas na natureza, buscando a origem dos padrões bio-químico-físicos, Sheldrake postula a existência de um campo invisivel de comunicação onde transitam idéias e matrizes que tanto conservam quanto promovem transformações tanto na anatomia dos seres vivos quanto nos seus hábitos comportamentais e, no caso do homem, promovem transformações sociais e culturais.

De acordo com Sheldrake, em biologia, estes campos são "esquemas invisíveis que se encontram por trás da forma de um organismo em crescimento". Com uma natureza semelhante à dos campos magnéticos, aqueles seriam, porém, "...um campo até aqui não reconhecido pela física (...) fazem parte de uma família maior de campos chamados campos mórficos (...) Na organização da percepção, do comportamento e da atividade mental, denominam-se campo perceptivo, campo comportamental e campo mental". (SHELDRAKE. 1999, p 417)

No perímetro de um campo como esse, as informações determinantes dos padrões e formas circulariam, manifestando-se sem barreira de tempo e espaço, através da "ressonância mórfica". Explica Sheldrake (1997): "A ressonância mórfica é a base da memória inerente aos campos em todos os níveis de complexidade (...) No âmbito humano, esse tipo de memória coletiva está intimamente relacionada àquilo que o psicólogo C.G. Jung chamava de inconsciente coletivo." Numa série de papers publicados em seu site oficial, Sheldrake (1987) explica sua teoria da ressonância mórfica em relação à experiência da humanidade:

Minha hipótese é que as sociedades possuem seus próprios campos mórficos socio-culturais nos quais estão incluídos e são coordenados todos os seus integrantes. Não obstante compreenda milhares e milhares de individualidades humanas, a sociedade pode funcionar e reagir como um todo unificado por influência das características de seu campo mórfico. Estamos nesses campos, virtualmente, o tempo todo: campos familiares, campos-nação, campos locais (regionais), campos dos variados grupos aos quais pertencemos. Estamos inseridos nesses imensos padrões coletivos de organização mas, como esses campos estão sempre presentes, são imperceptíveis; conscientemente, não nos apercebemos deles. Nós os admitimos como existentes assim como temos certeza do ar que respiramos, sem prestar atenção no fato como não reparamos no ar, sempre presente. Entretanto, se submergimos em água por um tempo, logo nos damos conta da existência do ar: tomamos consciência da falta que nos faz na iminência do sufocamento. (...) Existem certos contextos nos quais a memória social, embora inconscientemente, é invocada: trata-se dos rituais. Rituais são encontrados em todas as sociedades do mundo, tanto em contextos culturais laicos (mundanos) quanto em contextos religiosos. Em geral, esses rituais são conservados em sua essência e devem ser executados de uma maneira certa, que é a mesma supostamente praticada no passado. (...) Entre os diferentes povos, os rituais obedecem a padrões que repetem fórmulas estabelecidas em tempos, não raro, imemoriais. Quando as pessoas são questionadas sobre o 'porque' da obediência a tais padrões, em geral, respondem que assim fazem porque assim fizeram seus antecessores. (...) Se a ressonância mórfica acontece como eu penso, essa preservação de atos promovida pelo rituais, a repetição em si (...) tornaria seus participantes realmente capazes de se reconectar com seus ancestrais (em muitos sentidos) através da ressonância mórfica.(...) aspectos das tradições religiosas tornam-se mais claros quando confrontados com a idéia dos campos mórficos. Muitos mestres religiosos comparam o aprendizado e as práticas de iniciação com 'um caminho' (...) Na iniciação religiosa o indivíduo é introduzido numa senda, a qual, anteriormente, foi trilhada pelo iniciador que por sua vez foi instruído por um outro, antecessor, numa linha regressiva que remontará a um Buda ou um Cristo. Todas as pessoas que trilharam tais caminhos no passado contribuíram para criar um campo mórfico e, com isso, tornaram mais fácil aos seus sucessores empreender a mesma jornada.

[SHELDRAKE, 1987. In Society, spirit e ritual: morphic ressonance ressonance and colletive unconscious.

A teoria de Sheldrake coincide com ensinamentos esotéricos milenares e os campos mórficos podem ser identificadoscom os diferentes planos dachamada "Luz Astral" ou Akasha, dimensão puramente energética onde circulam e são registrados todos os fatos e idéias, todos os atos e falas já perpetrados no Universo. Os cientistas contemporâneos começam a cogitar seriamente na capacidade de "contaminação das idéias", posto que, uma vez emitidas, quer por palavras faladas, quer por outras expressões, estas idéias transitam sem barreiras numa invisível teia vibracional exercendo seu poder de sedução e transformação sobre indivíduos e sociedades.
Considerando tal hipótese como válida, atividades como a comunicação de massa ganham uma nova importância enquanto mecanismo capaz de acelerar a difusão de idéias. Ocorre que no contexto atual da política da informação, as mensagens veiculadas nos mídia (os meios de comunicação de massa), desconsiderando a natureza contagiosa dos pensamentos, palavras, imagens, músicas, exploram exaustivamente todo tipo de acontecimento sem nenhum critério que se preocupe com a saúde psicológica da audiência pública.

Programas jornalisticos (informativos) e de entretenimento (musicais, novelas, variedades), não raro, concentram suas pautas na reportagem e exibição de "coisas horrendas" (LEVI, 1995), espetacularizando, quando não, até glamourizando, fatos lamentáveis como guerras, assassinatos, assaltos, sequestros, atentados, suicídios etc.. A visão gratuita e exagerada, recorrente, de tais "coisas horrendas" é expressamente desaconselhada pelos Mestres da magia. Assim como o bioquímico Sheldrake, os magos acreditam que, à semelhança de uma radio freqüência, idéias ruins podem facilmente encontrar ressonância nas mentes mais susceptíveis ou predispostas, atuando como catalizadoras-multiplicadoras das piores tragédias que assolam a humanidade.

Quando telejornais e portais da internet insistem em ostentar em suas manchetes "o álbum de fotos do desastre", as imagens do atentado, o histórico do mais recente crime bárbaro que chocou a comunidade, estas mensagens germinam na mente coletiva e prosperam sempre que encontram um ego receptivo desencadeando tragédias outras semelhantes. Também no âmbito da vida privada, das relações familiares ou entre amigos, práticas corriqueiras e aparentemente inofensivas como a fofoca, a maledicência, a autodepreciação, queixas e lamentações freqüentes, resultariam na formação e consolidação de "correntes magnéticas ou cadeias mágicas" (LEVI, 1995) negativas que alimentam ciclos de infortúnio. Praticar o controle da mente, tomando as rédeas dos signos, domando o fluxo e a qualidade dos pensamentos é, portanto, um saudável exercício de projeção das idéias construtivas no sentido de produzir, a partir do plano psíquico e metafísico, as matrizes geradoras de melhorias efetivas, verificáveis no dia a dia da realidade física.

BIBLIOGRAFIA

HAY, Louise L. Você pode curar sua vida. [Trad. Evelyn Kay Massaro].
São Paulo: Nova Cultural/Best Seller/ Círculo do Livro: 1999.


LEVI, Eliphas. Dogma e ritual da alta magia. [trad. Rosabis Camayasar].
São Paulo: Pensamento, 1995.

PAPUS (Gerard Anaclet Vincent Encausse). Tratado elementar de magia prática.
[Trad. E.P.] – São Paulo: Pensamento, 1995.

SHELDRAKE, Rupert. Society, spirit and ritual: morphic ressonance and collective unconscious.
In http://www.sheldrake.org/Morphic/index.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário